Finitude
J.C. Cavalcanti - 24/03/06

Passa o tempo na janela, vejo tudo que se passa,
Passa o dia, passa a hora, passa a pressa de ir embora...
Passa o pranto de quem chora, passa o verso de quem canta,
Passa a dor, e a dor é tanta, que nem sei por onde mora!
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Peça a Deus, minha senhora, que passou por mim agora
Que esse sol que ora levanta nunca mais se vá embora
Pra que que eu possa estar contente pra passar por toda gente
Pra cantar com a minha gente pela vida afora!
"Passa passa, gavião", de Sidney Miller



Para mim, um dos ensinamentos mais belos, e menos aproveitados de Jesus, é quando Ele disse: "não vos preocupeis com o dia de amanhã; basta ao dia os seus próprios cuidados".

Esta frase nos alerta sobre o modo como lidamos com o TEMPO, produzindo esse tormento tão bem compartilhado pelos seres humanos de todas os lugares e de todas as épocas, que é a ansiedade.

Não pode, porém haver um fim para a ansiedade, enquanto o pensamento funcionar em termos de um eu individual a realizar-se, ou preencher-se em seu eterno vir a ser.

Creio que temos dificuldade de pensar na finitude, que é a grande certeza da existência, porque o pensamento é contínuo. Como poderia o contínuo imaginar sua própria descontinuidade?

Entretanto, sem a introvisão da finitude, da impermanência, transitoriedade, criamos e recriamos incessantemente o espaço e o tempo onde viceja todo o nosso tormento, que é exatamente o amanhã com suas preocupações e incertezas.

Don Juan, o velho índio sábio de que Carlos Castaneda tanto nos fala, dizia que a morte é a melhor amiga e conselheira, a única que nos pode aconselhar corretamente em todos os momentos, conduzindo-nos à sobriedade, ao equilíbrio, ao silêncio interior.

Porém (e sempre com a hipótese implícita de nossa continuidade), projetamos um eterno amanhã para nossos desejos e esperanças; e rumamos para o futuro com toda a carga do passado, o que não é pouca coisa, pois as alegrias não se acumulam tanto como as dores, no baú da memória emocional.

Uma introvisão profunda de nossa finitude, com a consciência da inutilidade das vãs elucubrações do pensamento, poderá nos trazer um momento de silêncio, de liberdade, e poderemos ver, com atenção, como se fosse pela primeira vez, o sol se levantando... as borboletas e as abelhas namorando com as flores... o vento tangendo as nuvens no céu... a lua prateada refletindo-se no mar... enfim, todo o movimento da vida acontecendo, livre da armadilha do tempo meramente psicológico, sem realidade.


Lembremos de Shakespeare, em "Macbeth":

"Life is but a walking shadow,
a tale told by an idiot,
full of sound and fury,
signifying nothing"