Quer se goste quer não, todos os dias enfrentamos o burburinho do mundo, com sua
confusão e seu caos, suas alegrias e possibilidades. Poucas pessoas conseguem ficar horas
em meditação, e duvido que existam muitas cavernas no mato onde se possa fazer um
retiro solitário.
Até o Dalai Lama diz que não tem tempo suficiente para meditar e
refletir. Mas mesmo assim ele encontrou paz no meio disso tudo. Como podemos fazer a mesma
coisa?
Como podemos nos transformar; como podemos despertar o Budha interior?
Hoje em dia parece que não temos escolha senão integrar à nossa vida espiritual tudo o
que experimentamos;
tudo é trigo para o moinho, tudo é adubo para fertilizar o campo
das flores espirituais.
O sagrado e o mundano são inseparáveis.
Sua vida é seu caminho.
Os desapontamentos e alegrias são parte do caminho. Tanto a lavanderia como a pessoa que
recebe a roupa na lavanderia são parte do caminho, e a mesma coisa é verdadeira para
os pagamentos do cartão de crédito.
Não adianta esperar até ter mais tempo para meditar ou contemplar porque talvez isto
nunca aconteça.
Cultivar a espiritualidade e a consciência tem que se tornar uma vocação de tempo
integral, e para a maioria isto precisa acontecer dentro de um contexto de uma vida secular, aqui
mesmo no hemisfério ocidental.
Para você o buscador, o que importa é como cuida do momento presente. [...]. Não
estou falando apenas do que você faz, mas também de como você o faz.
Momento presente é onde o pneu realmente encosta no asfalto.
Sua força sobre o caminho espiritualmente falando, depende de como você aplica o
coração e a mente.
O que então, é mais verdadeiramente transformador? é apenas uma
questão de mudar as roupas e cabelo ou entrar para um grupo que deseja transformar o mundo?
Será que basta receber um mantra ou uma iniciação; aprender afazer algum tipo
de rito ou ritual, aprender a meditar, fazer yoga, rezar, cantar, fazer sexo cósmico, ir ao
Himalaya, a Jerusalém, a Meca, a Machu Picchu, ao monte Kailash, ao monte Shasta, ou
descobrir o guru certo? Eu não acho.
Ou será que não é mais transformador rasgar os véus do engano e da
ilusão, romper a casca da ignorância, para poder encontrar a si mesmo?
Através de um honesto auto-exame e de uma introspecção meditativa que
atravessem todas as partes de si mesmo, e que possam ser sustentados durante algum tempo,
pode-se desmontar a casa que o ego construiu, entrando dessa forma na mansão do ser
autêntico. Pode parecer algo desafiador, mas na verdade é mais fácil do que se
imagina.
Como muitos de meus amigos e colegas durante os anos 60 e 70, eu tive inicialmente algumas
dificuldades sérias com as tradições asiáticas e com os lamas, roshis,
swamis e mestres de todos os tipos, que eram seus principais expoentes.
Por mais atraentes que os ensinamentos e alguns lideres imediatamente me parecessem, e na
verdade o são, permaneciam enormes barreiras culturais, lingüísticas e
psicológicas a serem vencidas para que um treinamento e uma prática espiritual
genuínos fossem possíveis em qualquer caminho ou disciplina orientais.
Os lamas tibetanos sabiam, e nós ocidentais acabamos aprendendo, que a nossa
prática precisa refletir uma vida integrada e também nossas próprias
tradições ocidentais.
Kabir, um poeta santo indiano do século XV, disse uma vez:
“Eu não quero tingir meu manto de açafrão, da cor de uma ordem religiosa; eu
quero é tingir meu coração com o amor divino”.
Não é necessário viajar para terras distantes, procurar experiências
místicas exóticas, dominar mantras esotéricos e grossos tratados, ou cultivar
estados extraordinários de consciência, para experimentar uma
transformação interna e uma mudança radical no coração.
Espiritualmente, tudo o que desejamos, aspiramos e necessitamos está sempre presente,
acessível aqui e agora – para aqueles que tem olhos para ver. é o velho
provérbio de novo: “Você não precisa ver coisas diferentes, apenas ver as coisas
diferentemente”.
Eu tive o privilégio de poder visitar a maioria dos grandes templos da humanidade, estudar na
Índia e no Tibet, e dar a volta ao mundo diversas vezes em busca daquilo que procurava.
Agora eu digo o que os outros já disseram antes:
que uma pessoa nunca viu nada, até ter estado face a face consigo mesma.
Só então cada momento contém o grande milagre, onde quer que estejamos.
Verdade e amor estão nas palmas de nossas mãos. Porque quando nos iluminamos, todo
o universo se ilumina. Anime-se!
A consciência intrínseca é o denominador comum a todos os seres sencientes. A
vida consciente, a autoconsciência contemplativa, é o meio de nos tornarmos tudo o que
somos. A consciência é curadora. Conhecer a si mesmo e aprender a deixar a fluir
é a forma mais eficaz. A espiritualidade é uma questão de descobrir a si mesmo,
e não de se tornar algo diferente.
[...]
Através das eras, aqueles que ouviram o insistente chamado da verdade acreditaram no poder
transformador da iluminação espiritual, combinado ao poder iluminador da
ação altruísta compassiva. A mesma questão persiste: como pode haver
paz no mundo se nós, seus habitantes, não estamos em paz internamente? Enquanto
houver uma separação – entre “nós” e “eles”, entre eu e o outro, entre o “eu”
separado e distinto do “você” – o conflito permanece e a autotransformação
não passa de um sonho. Se não nos amamos, como podemos amar a terra?
A autotransformação implica autotranscendência. Portanto, a
transformação interior é um assunto espiritual de significado cósmico, que
inclui a tudo, animado e inanimado, em toda parte. A verdadeira autotransformação
decididamente não é apenas para nós mesmos. É para todos os seres –
pois não estamos todos inseparavelmente ligados? O que acontece a um acontece a todos;
arranque um único fio da teia da vida e toda a teia é prejudicada.
Na África, a tribo Xhosa tem um ditado que vale a pena ser lembrado: ”Eu sou porque nós somos”.
Extraído do livro: O despertar do Budha interior – Lama Surya Das
Voltar
|