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Grécia: Três escolas filosóficas

por Luiz Roque professor, poeta e escritor   

Grécia: Três escolas filosóficas

Os primeiros povos a se estabelecerem na Grécia foram os jônicos. Dirigiram-se para a Ática (cerca de 2000 AC ), onde, mais tarde, se formaria Atenas. Mais tarde, espalharam-se para o litoral da Ásia Menor(hoje, Turquia) e, daí, premidos pelos Persas, para a Sicília.

É entre os jônicos que surgiria o "milagre grego": A literatura, o teatro, a democracia, a música, a ciência e o aperfeiçoamento das artes plásticas.

Os historiadores costumam dividir os pensadores gregos em "antes e depois de Sócrates". A característica dos pré-socráticos é buscarem a explicação do Mundo e da natureza, sem a participação de qualquer entidade externa. Sua objetividade nos remete ao que ocorreria muito depois, em 1796, quando Laplace apresentou sua Exposição do Sistema do Mundo.
Ao lhe perguntarem por que não incluíra nele o Criador, respondeu que não tivera necessidade dessa hipótese.

I) A Escola Atomista

Demócrito de Abdera(séc. VI-V AC), precedido por Leucipo de Eléia, concebeu a matéria como formada de átomos, partículas mínimas. O átomo não pode ser dividido nem transformado. Entre os átomos, havia o vazio, o nada, o vácuo(lembremo-nos de que o "horror ao vácuo" acompanhou a ciência até o início do séc XX).

Ninguém aceitou, na antigüidade, o vazio total com a tranqüilidade dos atomistas. Tudo é feito por átomos e vazio, inclusive os deuses, se existirem. O atomismo é de uma simplicidade irreverente. Cada corpo tem átomos iguais em tamanho, massa, propriedades, características dele, mas que diferem em relação a outro corpo.

Os átomos apresentam propriedades secundárias: sensação de aspereza, de cor, etc. Os corpos emitem eflúvios, também atômicos, que nos atingem. As propriedades estão na sua ação sobre os nossos sentidos: se um corpo apresenta sabor azedo é porque tem átomos com pontas e se é doce, terá átomos redondos: "Dizemos quente, dizemos frio, dizemos doce, dizemos amargo, dizemos cor. Mas, na realidade, só existem os átomos e o vazio."

Os átomos também diferem pela posição e, se agrupados, pela ordem. Acham-se em eterno movimento. Para o início do mundo, Demócrito imaginava um caos, em que os átomos e o vazio estavam, a princípio, reunidos ou, segundo outra versão, os átomos de um lado e o vazio de outro.

Das sucessivas combinações e distribuições desses átomos e desses "vazios", ocorridos ao acaso, vão surgindo, vão unindo-se e vão separando-se as coisas. NÃO HÁ FINALIDADE NA NATUREZA. Trata-se de um materialismo mecanicista, que as condições culturais e sociais da época não deixaram voar muito alto. Epicuro vai adotá-lo no século seguinte, influenciado por visões orientalizantes.

E em Roma, o atomismo antigo morre com o suicídio do poeta Lucrécio(98-55 AC). Mas a partir do Renascimento, o átomo começaria a ser reabilitado sob diferentes roupagens e, com Galileu, Gassendi, Newton, ele seguiria uma trajetória triunfante, até ser recebido, com todas as honras, por Dalton, na alvorada do século XIX.

II) A ESCOLA DE ÉFESO

Com Heráclito de Éfeso (576-480 AC), surge a concepção do mundo em movimento. Considera-se que, para ele, o fogo é a físis (essência) do mundo, mas o fogo,aí, tem mais o sentido de agente das mudanças do que de constituinte das coisas. Muitos referem que, para Heráclito, as trocas da natureza se dão pelo fogo, como as mercadorias por ouro. Temos aí uma projeção para a natureza da experiência humana do Comércio. Coisa semelhante encontramos em Anaximandro.

A filosofia de Heráclito oscila entre conceitos muito profundos e outros ingenuamente primitivos, como em Astronomia. Entretanto, pela clareza com que percebeu o papel dos opostos e da superação das contradições, Heráclito é indiscutivelmente o precursor da Dialética de Hegel e Marx.

De raciocínio pouco comum para o espírito grego, que buscava o substancialismo permanente, Heráclito foi chamado "o Obscuro".

Vejamos algumas de suas polêmicas declarações, que estão na base de seu raciocínio filosófico:

"As coisas estão em perpétua transformação, a mudança é o próprio móvel do universo".
"Nada é, tudo vem a ser, tudo devém".

"Tu não podes banhar-te duas vezes no mesmo rio, porque novas águas correm sobre ti". Nada permanece, tudo se transforma. "

"Só se une o que se opõe; é do diverso que brota a mais bela harmonia...É mudando que repousa...A vida e a morte, a vigília e o sono, a mocidade e a velhice são, no fundo, uma e a mesma coisa. Uma transforma-se na outra e esta volta a ser o que era primeiro. Se alguém me escutou, não a mim, mas ao meu Logos, então sentirá que é sábio afirmar que todas as coisas são uma."(Jaeger, Paidéia).

"Para o deus são belas, boas e justas, todas as coisas, foram os homens que tiveram umas coisas por justas e outras por injustas".

"O deus é dia-noite, inverno-verão, guerra-paz, saciedade-fome; varia como o fogo que ateado a especiarias é chamado conforme o perfume destas".

"Para os homens não seria melhor se lhes sucedesse tudo quanto querem".

"A doença torna agradável a saúde; a fome, a saciedade; a fadiga, o repouso".

"O combate é de todas as coisas pai, de todas o rei, a uns manifestou como deuses, a outros como homens; de uns fez escravos, de outros livres".

"Devemos saber que o combate é comum a tudo e que a luta é justiça; as coisas nascem e morrem pela luta".

"Não compreendem como o divergente consigo mesmo concorda; harmonia reciprocamente tensa, como a do arco e da lira".

"Há só uma coisa sábia: compreender o pensamento que, como tal, governa tudo através de tudo".

A visão de Heráclito se aproxima do rico pensamento budista e do milenar Yin-Yang chinês

III) A ESCOLA DE ELÉIA

Com Parmênides de Eléia(séc VI-V AC), um dos mais poderosos pensadores jônicos, tem início uma escola que se oporá a Heráclito por um lado e a Pitágoras por outro.

Parmênides se fundamenta em duas premissas:
a)Existe a físis, ou seja, há um material único que constitui todas as coisas do universo.

b)O nada não existe, O NÃO-SER NÃO É. A partir destes postulados, através do seu Poema, ele conclui facilmente que o universo tem de ser homogêneo, contínuo, imutável infinito no tempo e imóvel (para onde mover-se?).

Entretanto, os sentidos não nos revelam este mundo imutável. Vemos o ser provir do não-ser e a ele retornar. Parmênides acha que, a aceitarmos tais fatos, renunciaremos a compreender o mundo.

Distingue, então, dois tipos de conhecimento: o racional ou verdadeiro (episteme) e o da opinião (doxa). O conhecimento do tipo epistemológico não explica o movimento ou, mais genericamente, as transformações. A opinião o aceita.

Parmênides é o primeiro a distinguir o inteligível do sensível. Sua argumentação é dirigida contra Heráclito e seguidores: o ser é, o não-ser não é, o vir a ser não existe, nada devém. Não há, pois, nascimento nem destruição. Refere-se a "multidões sem capacidade de julgamento aos olhos de quem as coisas são e não são, as mesmas e não as mesmas; e vão em direções opostas." Os problemas que Parmênides levanta atravessarão milênios e todas as doutrinas imobilistas passam,de uma forma ou outra por eles. São a velha oposição entre teoria e prática, justificação do imobilismo idealista e do conservadorismo.

No século seguinte, a escola de Eléia teria um defensor imbatível: Zenão.

1)Zenão afirma que uma flecha, a uma distância D qualquer de um alvo, não pode atingir esse alvo, porque teria de percorrer 1/2D + 1/4D + 1/8D e esta sequencia é infinita.

2)Zenão se propõe a demonstrar que Aquiles, o mais veloz guerreiro contra Tróia, não conseguiria alcançar uma pachorrenta tartaruga.

Por facilidade, imaginemos que o guerreiro tem o dobro da velocidade da tartaruga e que se encontram nas posições respectivas Ao e To, separadas de uma certa distância: Ao...............To

Quando Aquiles se deslocou até To, a tartaruga teria se movido até T1, de modo que ToT1= (AoTo)/2.A seguir, enquanto Aquiles vai de To a T1, a tartaruga vai de T1 a T2, tal que T1T2= (ToT1)/2= (AoTo)/4 e assim, sucessivamente: Ao...............To.......T1....T2

Um eleata chegou a afirmar:"Não se trata, em última instância, de negar o movimento. O que negamos é que a mente humana possa compreendê-lo."

Realmente, a crítica da Escola de Eléia provinha da insuficiência científica da época para lidar com o contínuo e o infinito. Seria necessária a Teoria dos Limites, desenvolvida por Newton e Leibnitz nos fins do século XVII e completada no século XIX, para entender-se que a tartaruga seria apanhada:

Assim, a razão se concilia com a opinião , 21 séculos depois!!

FIM

(Próximo Tema: GRÉCIA-A ESCOLA PITAGÓRICA ) 
  

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