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													 Hoje, todos sabem que os países onde o 
															xadrez é mais popular e que, portanto, fornecem a maior parte dos campeões 
															mundiais são, em primeiro lugar, a Rússia e, depois os países que formaram a 
															antiga União Soviética. 
													 
													Mas não foi assim até o final do século 
															XIX. A Rússia tivera Petroff, Nimzowitch e um personagem decisivo, Tchigorin 
															(1850-1900), que foi vice-campeão mundial e que desenvolveu bastante o xadrez 
															em seu país. 
													 
													Mas foi depois da Revolução Russa de 1917, 
															a partir do governo de Lênin (excelente enxadrista), que o xadrez passou a ser 
															a distração principal do povo russo. E, após a II Guerra , A URSS passou a 
															dominar o panorama enxadrístico mundial. 
													 
													No final do século XVIII, havia, em Paris, 
															o Café de la Régence, que era, na verdade, o principal clube de xadrez da 
															Europa. Ali jogaram Rousseau, Robespierre e outros famosos participantes da 
															História da França e do resto da Europa. 
													 
													O Café de la Régence atravessaria grande 
															parte do século seguinte. Os primeiros jogadores mais fortes do mundo (antes de 
															existir a Federaçao Internacional) foram franceses: Phillidor (músico de 
															profissão), Deschapelles, La Bourdonnais, Alekhine(russo naturalizado). Os 
															alemães tiveram Anderssen, Lasker, Tarrash, Schlechter. Os norte-americanos, 
															Blackburne, Pillsbury, Marshall. Cuba teve Capablanca. A Boêmia, Steinitz. 
													 
													O mundo tomou conhecimento recente da 
															morte, aos 64 anos, na Islândia, do polêmico enxadrista americano Bobby Fisher, 
															que foi campeão mundial, ao vencer, em 1972, o russo Boris Spassky, em plena 
															guerra fria. Neste momento, é o caso de indagar-se: foi ele o único campeão 
															mundial que tiveram os EUA? 
													 
													Não, o que acontece é que o maior 
															enxadrista americano e, talvez, o maior da História, Paul Morphy, anda meio 
															esquecido. Sobre ele, disse Capablanca, campeão mundial entre 1921 e 1927 
															(impossibilitado de revanche pelo célebre péssimo caráter de Alekhine) : "... é 
															por isso que, em geral, nós o consideramos o maior de todos." 
													 
													O escritor e grande-mestre internacional 
															americano Edward Lasker (sem parentesco com o campeão mundial Emmanuel Lasker), 
															em seu livro "A Aventura do Xadrez" começa assim a biografia de Morphy: "Gênio 
															é uma palavra muito bombástica; todavia, se já houve jogador de xadrez a quem 
															coubesse esse atributo foi Paul Morphy." 
													 
													Um livro completo sobre ele, "Morphy's 
															Games of Chess" (sem tradução em português), começa antecipando o que seria a 
															vida desse enxadrista: " Paul Charles Morphy, the pride and the sorrow of the 
															chess......" 
													 
													Paul nasceu a 22 de junho de 1837. Até os 
															18 anos, frequentou a Faculdade da Carolina do Sul, formando-se em Direito. Só 
															jogava xadrez quando em férias em Nova Orleãs. Numa dessas circunstâncias, 
															passou pela cidade o anglo- húngaro Löwenthal, um dos fortes jogadores 
															europeus. O melhor enxadrista da cidade, que poderia enfrentá-lo, era o garoto 
															Paul que, além de ter apenas 12 anos, era pequeno de compleição, lembrando Davi 
															contra Golias. Morphy ganhou duas partidas e empatou uma. 
													 
													Em 1857, realizou-se o I Congresso 
															Americano de Xadrez, em Nova Iorque. O favorito era Louis Paulsen, de Iowa, já 
															campeão nacional. Este informou a um jornal que vira duas ou três partidas de 
															um jovem que eram verdadeiras obras-primas. 
													 
													Assim, Morphy foi convidado a tomar parte. 
															Ele foi vencendo um a um, todos fortes adversários. Curiosamente, era, entre 
															todos, o de menor estatura. Nas finais, estava meio ponto à frente de Paulsen. 
															Seguiu-se o match entre ambos, com 4 a 1 para Morphy. 
													 
													Paulsen comentou: "Se Anderssen (campeão 
															mundial, na época) e Staunton (que também se julgava como tal) estivessem aqui, 
															não teriam probabilidade contra ele. Nem Phillidor nem La Bourdonnais, se ainda 
															vivessem. 
													 
													No verão de 1858, o Clube de Xadrez de Nova 
															Orleãs financiou a viagem de Morphy para a Inglaterra. Lowenthal comentou que: 
															".......Se não tomarmos cuidado, é bem possível que o próximo campeão de xadrez 
															venha do far-west ." 
													 
													Mas o público europeu mantinha-se 
															descrente. Seguiu-se, então, um match entre Morphy e Löwenthal, em que o 
															primeiro venceu por 9 a 3. O jornal "The Era" escreveu: " Há algo de 
															extaordinariamente romântico e cavalheiresco neste jovem que vem à Europa e 
															lança a luva a todos os nossos veteranos...........ele é tão cortês e generoso 
															quanto bravo e competente." 
													 
													O que todos (Morphy incluído) esperavam era 
															um match entre o americano e Staunton, o campeão inglês. Porém, velhaco 
															conhecido, Staunton conseguiu sempre fugir ao embate, com os mais vergonhosos 
															argumentos (como já fizera com Saint- Aimant) . Chegou a exigir uma alta bolsa, 
															mas, quando esta foi preenchida por várias fontes, escapou com outros 
															argumentos. 
													 
													Sem esperanças, Morphy seguiu para a 
															França. Iria enfrentar, no Café de la Régence o também grosseiro alemão 
															Harrwitz. Este estabeleceu que venceria aquele que ganhasse as primeiras sete 
															partidas. Paul começou mal, dormindo tarde, pelo fascínio das noites 
															parisienses, com que ele jamais sonhara. Perdeu as duas primeiras partidas. Ao 
															fim da segunda, Harrwitz mediu o seu pulso, com ironia. 
													 
													Nessa ocasião, finalmente, Morphy 
															confidenciou ao seu segundo, que o adversário não venceria mais. Paul ganhou as 
															três seguintes. Harrwitz fez uma interrupção temporária, alegando doença. Na 
															volta, Morphy venceu de novo. O alemão interrompeu outra vez. A seguir, empatou 
															e voltou a perder. Estava 5 ½ a 2 ½. Harrwitz desistiu "por motivo de saúde". 
													 
													Morphy, então convidou a Anderssen, 
															professor de Matemática em Breslau, verdadeiro campeão do mundo e verdadeiro 
															gentleman. Como estivesse muito gripado, Paul solicitou que o match fosse em 
															seu hotel. Novamente, venceria o primeiro a ganhar 7 partidas. Curiosamente, 
															Morphy mais uma vez começou perdendo. Anderssen venceu a 1ª e empatou a 2ª. 
															Depois, perdeu 5 seguidas. Seguiu-se um empate e uma vitória de Anderssen. 
															Morphy ganhou as duas seguintes. 
													 
													No Régence, perguntaram a Anderssen por que 
															ele não havia mantido o seu alto nível costumeiro. " Morphy não me deixa"  
															respondeu  "ele sempre faz exatamente o melhor lance. Se eu faço o 2º. melhor, 
															estou perdido." 
													 
													Sempre à espera da decisão de Staunton, em 
															Londres, Morphy realizou uma exibição às cegas, no Régence contra 8 tabuleiros 
															dos mais fortes de Paris. Seus amigos estavam preocupados. O Café estava 
															totalmente lotado de aficionados, mas a maioria era cética.. Morphy foi 
															derrubando um por um, mas dois empataram. 
													 
													O último a cair foi Séguin, que tinha 
															declarado não acreditar que alguém o derrotasse não vendo o tabuleiro. Edge, um 
															inglês que se tornara amigo de Morphy, descreveu: "Ele levantou-se da poltrona, 
															na qual permanecera quase dez horas quase imóvel, sem tomar absolutamente nada. 
															Apesar disso, estava tão descansado como quando se sentara". 
													 
													Conta Edward Lasker que a multidão de 
															aficionados comemorou dentro e, depois, fora do Régence. E o movimento foi tal 
															que a polícia francesa se mobilizou, temendo mais uma das revoluções da França. 
															No dia seguinte, todos os jornais comentaram. ´Saint-Amant escreveu que Morphy 
															satisfez uma necessidade antiga de Paris: um herói." 
													 
													Lequesme, um escultor que jogara entre os 
															oito, fez o seu busto. Morphy foi, então, requisitado para inúmeras visitas a 
															nobres e burgueses. 
													 
													 Parêntesis: O xadrez às cegas sempre foi 
															proibido na antiga URSS, porque o esforço exigido prejudicaria o cérebro. Isso 
															pode ter sido verdade com Morphy e Pillsbury. Mas não se verificou com 
															Alekhine, Najdorf e outros.  
													 
													Regresso
															 
															De volta a Nova Orleãs, as vitórias de Morphy foram muito festejadas. Mas logo 
															se revelaria a cidade preconceituosa e escravagista. Primeiro, Morphy tentou 
															conseguir emprego, já que fizera um excelente curso para advogado. Em vão. Ele 
															era um jogador (isso já acontecera com Phillidor). 
													 
													Aos 22 anos, enamorou-se de uma jovem da 
															alta sociedade e a pediu em casamento. Ela (ou os pais) disse que não se 
															casaria com um mero jogador de xadrez. Paul Morphy decretou que nunca mais 
															participaria de torneios ou matches de xadrez e que, doravante, só jogaria com 
															amigos do seu círculo, dando alguma vantagem. Esta, em geral, era o cavalo da 
															dama. Muitas dessas partidas são excelentes e constam do livro "Morphy's Games 
															of Chess". Há uma, inclusive, em que ele vence sem cavalo e sem torre da dama. 
													 
													Entre 30 e 35 anos, era um homem isolado e 
															desequilibrado. Era encontrável, andando pelas ruas de Nova Orleãs, 
															impecavelmente vestido e falando sozinho ( ou com alguém) coisas desconexas. 
															Morreu num banho de banheira, em 1884, inteiramente louco. 
													 
													Voltemos a Bobby Fisher. Embora longe do 
															cavalheirismo de Morphy, morreu igualmente só, sem filhos e, ao que tudo 
															indica, desequilibrado. 
													 
													Este texto mostra indiretamente, ainda, 
															como o xadrez foi, no passado, muito mais importante do que é hoje. Os jornais 
															tinham colunas de xadrez e a porcentagem da população interessada era bem 
															maior. Fala-se que, ao tempo da grande rivalidade entre Capablanca e Alekhine, 
															os nomes desses astros eram conhecidos pela maioria das pessoas. Por exemplo, 
															meu pai, que jamais jogou xadrez, os conhecia. E meus avós também. 
													Aos aficionados da arte do xadrez, 
															recomendamos a análise da famosa Partida da Ópera,
															assim chamada por ter sido jogada no intervalo da Ópera Norma, em Paris, entre 
															Morphy e dois fortes amadores da aristrocracia francesa.  
															 
															   
													 
													
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