desenredo, subst.
masculino -
ação ou efeito de
desenredar (-se);
      * * * * * * DESENREDO * * * * * *      
Site idealizado por José Carlos Corrêa Cavalcanti (2005)
desenredamento;
desprender-se da rede;
separar-se do que
está enredado.

A SAGA DE 30 ANOS DE BUSCA ESPIRITUAL - parte 2
José Carlos Corrêa Cavalcanti
14/03/2023

TROPEÇOS

"Quem sou eu?" (ou "Quê sou eu?", ou "O quê é o eu?") — essa é a pergunta que Ramana Maharshi, o grande instrutor indiano, nos aconselhava a fazer, trazendo o foco da busca espiritual para o buscador que nos sentimos ser, com todas as suas dúvidas, temores e contradições. É nele, no buscador, no "eu" que será encontrada a resposta, uma vez compreendida a razão profunda que está na base dessas mesmas dúvidas, temores e contradições, e retiradas as máscaras com as quais ele se recobre para viver a separatividade. E esse foi, realmente, o foco de minha trajetória ao longo desses anos. Posso dizer que é um aprendizado difícil, que exige grande perseverança. O que é o eu, ou ego? Qual é a concepção da Psicanálise sobre o ego? Existe realmente essa suposta entidade? O que é consciência?

Claro que resumir esse período em algumas páginas pode simplificar demasiadamente a narrativa; não houve um aprendizado constante e linear, na verdade, na maior parte do tempo os tropeços foram muitíssimo frequentes. As leituras, quando feitas com seriedade e sincero desejo de aprender, são um canal importante, que abre horizontes e ajuda a clarear o raciocínio, mas, dado o caráter predominantemente intelectual das mesmas, não são transformadoras e a realidade se impõe, causando dolorosas quedas.

Penso que, no caminho da transformação espiritual, um grupo de pessoas irmanadas pela amizade e unidas no mesmo propósito talvez pudesse potencializar o processo individual de cada participante, mas não tive essa oportunidade; na única vez que encontrei tal grupo, foi ainda pior do que sozinho. Hoje em dia temos os vídeos, onde inúmeros instrutores do mundo todo expõem seus ensinamentos, que variam de uma esmagadora maioria de altamente nocivos e desencaminhadores, explanados por pessoas vaidosas e sedentas de poder, até uma pequena minoria de pessoas honestas e bem intencionadas, que têm realmente algo valioso e importante a dizer no campo do autoconhecimento e da verdadeiro significado do que é religião. Portanto, a procura cuidadosa e o discernimento são essenciais, pois é grande o risco de enveredar por caminhos tortuosos.

Assim se passaram muitos anos. Mas, entre os inúmeros percalços, de vez em quando alguns sinais alentadores me faziam crer que estava no caminho certo — que, para mim, era o ordálio, o caminho da provação, como o demonstrava amplamente a experiência. Para mim esses sinais foram: despertar da sensibilidade em geral, da habilidade de fazer composições musicais e de escrever textos ligados à trajetória de transformação na existência, tendo inclusive publicado alguns livros.

O CONTO ZEN

Por essa época, li em algum lugar um conto Zen em que um homem de seus 40 anos chegava a um mosteiro Zen cheio de dúvidas e perguntas, desejando informar-se sobre "Iluminação". Entrando no mosteiro, viu um velhinho cuidando das plantas e perguntou-lhe:

— Meu senhor, pode me levar ao seu mestre?

O velho respondeu:
— Eu sou o mestre.

— Ah! desculpe, então o senhor sabe o que é iluminação?

O velho disse, laconicamente:
— Sim.

Um tanto agastado com o acolhimento do ancião, o homem perguntou:
— Gostaria de saber quanto custa e quanto tempo demora.

O velho respondeu:
— O custo maior não é financeiro, e o tempo que demora é muito variável; depende da pessoa; mas, só para dar uma base, seria aproximadamente 20 anos.

O homem deu um pulo para trás e disse:
— O quê? 20 anos? o senhor está louco?

O velho ficou em silêncio. O homem perguntou:
— Não há meio de apressar isso? Sou uma pessoa muito ocupada e não tenho tempo a perder.

O velho respondeu:
— Não, mas em alguns casos pode chegar a 30 anos.

O homem ficou muito irado e começou a dizer impropérios. Virou-se de costas para ir embora, mas a tempo de ouvir o velho dizer:

— No seu caso, acho que chega a 40 anos...

Lembro-me que achei engraçado este conto, mas ele é muito sério. Ele desanima prontamente quem entra pelo caminho do autoconhecimento e da transcendência da condição humana como quem deseja adquirir uma mercadoria destinada a lhe trazer preenchimento ou prazer, o que, de certa forma, está presente na maioria dos buscadores, que geralmente chegam feridos e imaginam escapar da dor e descobrir a felicidade mediante certas práticas — mas sem tocar na arraigada ideia de ser um "eu pessoal" destinado a procurar a felicidade na existência, que é a visão equivocada bem na base de toda busca, pois procurar a felicidade e preenchimento na existência nos mantém num estado de vir a ser que impede o conhecimento de nossa verdadeira natureza e redunda sempre em frustração.

Um texto antigo diz: "se alguém pergunta o que é o Tao e encontra alguém que responda, nenhum dos dois compreendeu a verdade, pois quem sabe não diz e quem diz não sabe". Penosamente, descobri que o caminho da autêntica busca religiosa passa pela dor e não tem fórmulas, métodos nem nada de gratificante para o ego, que deverá deixar pela estrada todos os conceitos, autoimagens e crenças de que é formado, para que possa emergir sua mente original.

AMIZADE

Em minha longa jornada de autoconhecimento, não encontrei a coisa mais preciosa do mundo, para mim, que é a AMIZADE. Claro que conheci amizades superficiais, feitas de interesses próximos, com alguma troca, etc. Mas sem profundidade, sem trazer o selo da atemporalidade e da confiança absoluta. Nada encontrei no sentido radical que dou a essa palavra, como puro amor desinteressado de ganho ou vantagem pessoal entre duas ou mais pessoas, ou, dito de outro modo: estando o espírito manifesto em diferentes organismos corpo-mente, a AMIZADE é aquele estado em que o Espírito é descoberto como sendo UM E O MESMO em todos eles.

Talvez o caminho fosse mais fácil, se a tivesse encontrado. Tenho para mim que o que transformou radicalmente os discípulos de Jesus, a par de seus primorosos ensinamentos, foi a inconcebível amizade que ele demonstrou cabalmente, eliminando qualquer possibilidade de dúvida naqueles homens, despertando neles a fé absoluta, além das palavras.

Porque, no caminho das coisas espirituais, esse é o grande impedimento: a dúvida. Claro que, no nível das coisas práticas do cotidiano, é importante duvidar, questionar as aparências das coisas, para não enveredar em graves erros. Não estou estou falando nesse sentido, mas da descoberta fundamental da existência. E, nesse caminho, algo em nós tem o dom de duvidar de tudo, menos — já repararam? menos de si mesmo! Os ensinamentos hebreus dão a esse algo o nome de Satan (significando desviador ou adversário), acrescentando que não se trata de um inimigo de Deus, mas de um anjo a serviço da vontade divina, a fim de despertar o livre arbítrio no ser humano.

O que estou dizendo é que DUVIDAMOS QUE NOSSA CONSCIÊNCIA POSSA EMANAR DA MENTE DIVINA, o que equivale ao raio de sol duvidar que emana de sua fonte solar, ou a onda duvidar que é uma manifestação do oceano, portanto tem a mesma natureza dele: simplesmente não nos parece possível, não nos sentimos dignos, a menos que purificados por um grande sofrimento até expurgar nossos pecados.

Vou exemplificar: ao longo dos anos, minhas leituras e estudos se aperfeiçoaram e também aumentara, com ressalvas, meu entendimento a meu próprio respeito. Tinha lido um trecho dos Upanishads (escrituras sagradas hindus) onde se dizia claramente: TU ÉS ISTO — Tat Tvam Asi, uma frase sânscrita, que endereça a noção do "eu" individual de volta ao Princípio Primordial, Realidade, Verdade, ao Ser, ou Consciência Divina. Realmente, como poderia haver na Manifestação alguma coisa autônoma, independente e separada como o ego se sente ser?

Intelectualmente eu estava convencido disso, ou seja, de que a incompreensível Energia Consciente de Si Mesma que manifestou o Universo é também a Consciência Única atuante em cada forma viva, ainda que limitada ao aparato psico-físico das mesmas, e ainda que distorcida, entre os humanos, pela noção de ser ela propriedade emergente desse mesmo corpo físico — e intuía, entre admirado e estarrecido, a extraordinária grandiosidade e criatividade da Mente Primordial manifestando a Si Mesma em uma infinidade de formas incríveis, gerando um universo de indescritível beleza.

Mesmo assim, continuei me sentindo desconectado da Fonte, e achando sempre que deveria "fazer algo" para chegar lá, porquanto pensava faltar-me algo para "atingir" a compreensão definitiva. Uma espécie de inércia me amarrava à concepção de que a consciência era um produto da matéria e o "eu", como princípio cognoscente, emanava do corpo físico — o que perdurou e me infelicitou por longos anos.

 
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