Geralmente, quando nos sentamos em meditação,
está implícito o desejo de atingir um estado
de Unidade, de comunhão com Deus.
Isso passa pela difícil questão de
como, partindo de nossa habitual multidão de pensamentos, vozes, imagens, julgamentos,
sensações e emoções, se poderia atingir o estado de silêncio interior,
pois o pensamento não pode silenciar a si mesmo (a não ser, talvez, por alguma espécie de auto-hipnose, o que não é absolutamente o caso).
Então vem a tentativa de autotranquilização via respiração calma, imaginando que o objetivo de conseguir o silêncio interior será alcançado em algum momento no decurso do tempo.
Mas, tudo isto é parte da autoenganação da mente para preservar
a si mesma enquanto tal (isto é, tagarela),
pois o tempo e o vir a ser são a sua matéria prima predileta,
que a mantém em pleno funcionamento.
Sabendo que o "eu" não pode produzir o silêncio,
pergunto então:
"Pode o Espírito Crístico de compaixão e Unidade despertar-se
em minha consciência e habitar em meu coração?"
Assim fazendo, entro num estado de completa completa aceitação de tudo
o que acontecer desse momento em diante como sendo RESPOSTA a essa questão — em outras palavras,
a vida será meu espaço de meditação; não apenas meia hora por dia,
contra 23,5 hs de livre vaguear da mente por aí.
Saberei, então, por mim mesmo,
se há algo que impede
(e o que é, afinal)
que nasça o Cristo interno em MIM.
Então descubro que esse MIM é a parte crucial de tudo isso;
infelizmente, porém, só me conheço como as ondas do mar —
sempre instáveis, ora mais serenas, ora mais caóticas e destruidoras.
Não conheço as águas profundas e calmas do oceano;
somente conheço o meu "eu pessoal", sempre ansioso, temeroso; e sei que ele quer paz, a paz que não encontra em si mesmo, e que deseja mais que tudo.
PAGAMENTO DA FATURA
Mas, se eu tivesse que me apresentar a Deus neste exato momento,
se fossem meus últimos instantes nesta existência, o que faria?
Tentaria mostrar-LHE o melhor de mim? Que conteúdos e crenças selecionaria?
Tentaria impressioná-LO com minhas tristezas e dores, talvez com meus merecimentos?
Claro que não; isso seria infantil: não podemos enganar a Deus.
Na bela cosmogonia judaica da criação do mundo, o homem e a mulher tiveram
que sair do Jardim do Eden, quando tiveram consciência de sua nudez e cozeram roupas para escondê-la —
tinham, então, adquirido a consciência de ego, identificada ao corpo, como seres separados
dotados de desejos e vontade própria, o que os fez sair do Paraíso.
Era o início da aventura humana sobre a Terra, recriada em cada ser
humano que nasce: passa de inocente criança à puberdade, e depois à busca
da realização sexual, pessoal, profissional, familiar, etc., onde
conhecerá o prazer e a dor, mas não a Paz — cujo desejo está
na base de todas as suas buscas.
Volto a perguntar: se fossem agora seus últimos momentos, como você se apresentaria a Deus?
Não teria que se DESNUDAR totalmente de todo e qualquer conteúdo mental, psicológico, emocional?
Como poderia voltar ao Paraíso (da União com a Mente Divina) psicologicamente carregado das coisas terrenas?
Não teria que estar em perfeita inocência, em sua identidade última, essencial,
irredutível? E esta, em si, já não é uma fagulha de Deus,
já não tem a mesma natureza da Consciência Primordial?
Imagine o caso do "bom ladrão", sendo crucificado ao lado de Jesus: ele não tinha nenhum mérito;
como é possível que ele se transformasse tão radicalmente a ponto de "entrar no Paraíso"?
O milagre de sua transformação radical só foi possível porque ele não tinha tempo.
Movido pelo imenso amor de Jesus
(naquela hora terrível, ainda conseguiu lhe dar atenção)
, desapegou-se totalmente de seu passado e entregou a Deus seu espírito sem
qualquer mácula.
Coisa que não fazemos. E não fazemos por causa do TEMPO que desejamos ter e SUPOMOS TER
(o que é apenas uma hipótese que, em algum momento desconhecido, falhará).
Não fazemos, ou seja, não nos entregamos porque a maior característica
da consciência de ego, ou eu pessoal,
é o desejo de continuar;
ele sempre quer mais, mais tempo, mais experiências, mais oportunidades.
Pois o alimento da consciência de ego é o TEMPO.
Somente nos entregaríamos — e naturalmente, sem esforço —
se não tivéssemos tempo algum.
Essa entrega exige que estejamos desnudos de todos os conteúdos adquiridos.
Nosso eu pessoal, no entanto, só existe como agente
da repetição desses conteúdos, o que lhe fornece continuidade psicológica,
com o pensamento girando e girando para realizar o prazer e evitar a dor.
Essa percepção é importante, pois nela há a exposição
do elemento separativo.
Essa exposição do eu separativo deve ser fruto de uma investigação firme,
mas gentil e compassiva, para que se revele, de mim para comigo, o que é que impede a comunhão, e porque o Cristo interior não está podendo nascer em mim.
Lembra-se da pergunta inicial, quando iniciei a meditação?
"Pode o Espírito Crístico de compaixão e Unidade despertar-se
em minha consciência e habitar em meu coração?"
Saímos do Paraíso ao cobrir nossa nudez; agora,
psicologicamente, precisamos
DES-COBRIR nossa consciência cotidiana de suas máscaras e falsas identificações, para
que ela se revele, em sua nudez, como a semente de Deus em nós.
Amigos, o "Nascer de Novo" implica a supressão de toda vontade própria em termos
de querer realizar felicidade pessoal na vida, pois tudo deve ser aceito como expressão da vontade de Deus.
Ao compreender isso, desfaz-se a força de atração
centrípeta (isto é, em busca do centro) dos objetos mentais e emocionais
que giram em torno de nós como os planetas giram ao redor do sol;
essa força de atração era gerada pela concepção do eu pessoal.
Os objetos mentais e emocionais continuam a existir, mas não haverá mais um ego a atraí-los
para si.
Temos que viver cada momento como se fosse nosso final,
pois não sabemos quando é O VENCIMENTO da fatura.
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