Uma possível classificação dos estados de consciência dos seres humanos (sem qualquer pretensão de ser a única nem a melhor) seria:
1º) Aqueles que nem suspeitam minimamente que há uma realidade não
produzida pela imaginação nem formada por pensamentos, crenças,
ideologias, sensações e emoções — o que constitui o mundo da mente, no qual:
a- Só é verdadeiro aquilo que provém das impressões sensoriais, da ciência, da tecnologia e do raciocínio lógico;
b- O que importa são as coisas concretas, utilitárias, e as emoções
que surgem dos sentimentos de apego e aversão a essas mesmas coisas;
c- O que faz sentido são as teorias e ideologias que interpretam e explicam a realidade física e mental;
d- O que buscamos (no sentido psicológico) é encontrar fundamentos filosóficos ou crenças religiosas
que diminuam ou acabem com nosso medo da morte, da impermanência e da luta do bem e do mal.
Nesse nível
a verdade é relativa,
pois depende do referencial (conjunto de pressupostos
tidos como verdadeiros) de onde se observa.
Raramente se pensa em transformação interior,
e quando esta se impõe (a partir de uma situação de sofrimento), é entendida como o automelhoramento horizontal,
por meio da disciplina do pensamento e dos hábitos (via esforço e repressões internas), e aquisição de novos conteúdos,
sempre visando a usufruir de recompensas futuras;
Esse é o estado de consciência de ego, o qual abarca a imensa maioria da humanidade.
2º) Estados que têm noção intelectual da existência de um espaço de consciência transcendente ao mundo mental e se interessam pelo assunto, mas não tiveram experiências correspondentes,
permanecendo no campo da teoria. Trata-se de um estado relativamente raro, que exige amor ao autoconhecimento
e perserverança; acompanhado de humildade, será a base de ulterior transformação;
3º) Estados que tem noção da transcendência da mente e já a experimentaram,
mas não têm estabilidade nela,
e assim as pessoas nesse estado expressam-se na maioria das vezes como a consciência de ego, mesmo que achem
que estão expressando a Consciência Pura.
A instabilidade desse estado torna-o delicado, sobretudo
quando traz prematuramente a ideia de transformação ou iluminação
(o que pode originar declarações fundamentalistas e gerar autoritarismo, intolerância e inimizade).
4º) Estado de consciência de sabedoria, em larga conexão com o Espírito, de forma estável,
na vivência de um espaço transcendente e superior aos pensamentos, cultura, crenças, ideologias e emoções.
É o estado onde se encontram os grandes sábios da humanidade, raríssimos em todos os tempos e lugares.
Por isso, uma coisa fundamental na busca de sabedoria é ter bem clara, para nós mesmos, questões como:
- "De ONDE é que eu estou falando? Que grau de autenticidade têm minhas palavras?"
- "Estará meu comportamento em consonância com minhas palavras?
- "Que lugar tem a compaixão em minha vida?"
Observe que é dos níveis 1º, 2º e 3º que surgem os julgamentos,
as concordâncias e divergências, as palavras ácidas, a intolerância,
as mágoas, as simpatias e antipatias.
Isso mostra os perigos e armadilhas a que estão sujeitos os buscadores da sabedoria.
O nível 3º é especialmente perigoso,
pois nele o ser humano, perdendo a humildade, pode achar-se "dono da verdade", tendendo a condenar quem não
pensa da mesma forma.
A atenção é o instrumento da subsistência de todas as formas vivas.
Na espécie humana, no entanto, existe o extraordinário fenômeno do
pensamento simbólico para representação dos objetos do mundo, na forma de
nomes e imagens das coisas percebidas.
Isso faz com que, em nossa espécie, a atenção — fenômeno impessoal
e vazio de conteúdos próprios —
fique aprisionada a pensamentos, desejos, emoções.
Ora, essa é a MISTURA mental que compõe nossa CONSCIÊNCIA PERCEBEDORA:
atenção + memória. É com essa entidade híbrida que percebemos o mundo.
A atenção á a parte substancial, viva da percepção do mundo, está
sempre no presente e não tem conteúdos para chamar de seus;
porém, com a memória, que é a parte inerte da percepção do mundo
(um banco de dados de palavras e descrições),
sucede exatamente o contrário — está sempre no passado e tem por função
rotular e descrever as características
das coisas conhecidas.
Ora, os objetos do mundo são os meios que o ser humano busca não apenas pela necessidade
de sobrevivêencia, mas principalmente pelo desejo de prazer e medo da dor.
Por isso, na vivência cotidiana, A MEMÓRIA PREPONDERA LARGAMENTE sobre a atenção.
E ISSO CORROMPE A CONSCIÊNCIA PERCEBEDORA, da qual surge um "eu" fundamentado na memória.
O eu assim construído é o ATOR QUE interpreta as narrativas da memória,
identificado com os personagens que emergem dessas narrativas,
sempre encenando algum script do passado ou do futuro, numa busca incessante de prazer,
significado e propósito para sua existência.
A parte viva da CONSCIÊNCIA PERCEBEDORA — a atenção, que é PRESENÇA e cuidado,
acaba se resumindo ao papel de ser apenas um meio para um fim, o suporte vivo para o desejo de continuidade da matéria
por meio da memória.
Por isso, é uma enorme contradição a busca religiosa no estado de um "eu" totalmente materializado e que nega
ou desconhece o Princípio divino em si mesmo.
É preciso separar-se o grosso do fino (ou seja, separar a memória da atenção), do contrário
o buscador estará centrado numa falsa identidade, fazendo
o papel do ladrão fantasiado de guarda que é chamado para investigar roubos numa cidade,
como nos conta uma antiga e incrível metáfora budista.
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