As narrativas como fonte de inverdades
07/04/2018

1) Lula, o herói

Retirante nordestino que enfrentou a fome e a miséria na infância, Lula veio para São Paulo na esperança de uma vida melhor. Aprendeu a profissão de torneiro mecânico e trabalhou como operário no parque automobilístico de São Bernardo.

Foi o líder das greves operárias que desafiaram o regime militar no final dos anos 1970; foi também fundador do PT e o maior líder popular da história do Brasil.

Como Presidente da República, realizou dois governos de sucesso e prosperidade geral para o país, tendo encerrado seu 2º mandato com mais de 80% de aprovação, um feito inédito e jamais repetido.

Pois bem: esse homem foi condenado sem provas, com base apenas em indícios, a 12 anos de cadeia (por causa da suposta posse, jamais provada, de um apartamento no Guarujá, que ele teria, folgadamente, posses para adquirir com recursos próprios) e, assim, impedido de se recandidatar ao cargo máximo da política brasileira nas eleições de outubro de 2018 — o grande pavor das elites brasileiras, pois sabiam de seu imenso potencial para conseguir, novamente, ser reconduzido à presidência pela via democrática do voto popular,
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2) Lula, o corrupto

Lula, o operário que chegou ao poder nos braços das classes trabalhadoras do país, amparado por uma aliança política formada pelo PT e pelo PMDB, deixou-se seduzir pelo poder e pela bajulação dos que, com ele, desejavam aproveitar-se da máquina pública.

Querendo eternizar seu partido no comando da nação, aparelhou a máquina pública e as empresas estatais com homens de confiança de seu esquema de poder, o que levou ao quase desmantelamento da maior empresa brasileira, a Petrobrás, acobertando os maiores roubos de que se tem notícia na história do Brasil e do mundo.

Para espanto dos brasileiros, descobriram-se inúmeros casos de diretores corruptos (indicados pelo PT, PMDB e partidos aliados), que acumularam imensas fortunas em muitos anos de roubalheira, como Pedro Barusco, ex-diretor que, em acordo de delação premiada, devolveu US$ 98 milhões à União. Recorde-se que ele havia sido inicialmente condenado a 18 anos e quatro meses de prisão em regime fechado, mas, devido ao acordo de delação firmado com a Justiça Federal, teve sua pena reduzida e substituída para um regime aberto, com uso da tornozeleira eletrônica por dois anos e serviços comunitários.

E Lula "nunca soube de nada"!

Finalmente investigado e desmascarado, foi julgado e condenado a 12 anos de cadeia, apesar da atuação de uma equipe multimilionária dos melhores advogados do país, incluindo um ex-presidente do STF.
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Qual é a melhor narrativa?

É claro que podem-se construir inúmeras outras narrativas. Mas a questão que quero apresentar é: por quê preferimos esta ou aquela narrativa? Ou qualquer outra?

Será pelo nosso amor à verdade? Dificilmente.

Será porque a nossa preferida é a verdadeira? Isso também não é provável, pois geralmente as narrativas, quando não pecam pelo que dizem, pecam pelo que deixam de dizer — o que é uma técnica de convencimento, usada não somente advogados, mas por todos nós.

Pense bem: no afã de convencer os outros de que estamos certos, não é verdade que realçamos e até exageramos o que favorece nossa narrativa e omitimos o restante, quando não o minimizamos ou até falseamos?

Não, não é a veracidade o motivo pelo qual adotamos, como nossa, uma determinada narrativa. Nós o fazemos, simplesmente, porque nos sentimos bem ao fazê-lo; porque ela se acha mais de acordo com nossas preferências. E estas dizem respeito a nossos condicionamentos. Não nos iludamos: nossa individualidade é condicionada; nossas opiniões, ideologias, valores e convicções são coisas aprendidas, através da influência familiar, dos amigos, das escolas, dos locais de trabalho, da cultura da sociedade onde fomos criados, etc.

Nossa individualidade é muito sensível aos valores (ou falta deles) da estrutura de onde tiramos nossa subsistência material (que paga nossos salários), às circunstâncias, às pressões, ambições e compromissos assumidos para conseguirmos o que queremos. Nossos valores não são eternos. Já não fizemos inúmeras coisas de que nos arrependemos, porquanto contrárias a nossos princípios? Já não mudamos de opinião dezenas de vezes? Até mesmo o passar do tempo, a chegada da idade mais avançada, muitas vezes não nos faz ver as coisas de modo diferente?

Se pensarmos bem, veremos que até mesmo nossa própria individualidade é uma narrativa dita e repetida pelo pensamento. Essa narrativa peca, como todas, pelo que diz e pelo que deixa de dizer; mas, NO FUNDO, NÃO É ISSO O QUE MAIS IMPORTA PARA NÓS.

É certo que ela é bastante mutável e não necessariamente verdadeira (muito ao contrário). E também é certo que ela está eivada de conflitos interiores, com a razão dizendo uma coisa, e as emoções, desejos e apetites dizendo outras; e também está cheia de falsas, porém confortáveis, ideias e autoimagens; estamos sempre nos justificando e pondo a culpa em outros, esquecendo nossas inúmeras faltas.

Fundamentalmente, a narrativa interior atende a nosso desejo de "estar bem", de estar na "zona de conforto": como poderia ser verdadeira?


Agora, atente para o seguinte:

Os fatos reais ou imaginários ali narrados, e mesmo a maior ou menor qualidade das ideias e argumentos ali expostos têm sua importância, mas NÃO SÃO o mais fundamental. Se muitas vezes estamos mentindo para nós mesmos ou se somos sinceros também NÃO É O PRINCIPAL.

O que importa, fundamentalmente, é nosso sentimento de ser um eu individual dotado de permanência — inclusive, pretendemos que continue a existir após nossa morte.

Não nos apercebemos, contudo, que essa noção é criada, mantida e nutrida por nossas narrativas interiores. São elas também que, psicologicamente, nos fazem sentir como um eu separado de tudo.

Nossas convicções, posses, amores e desamores, tudo vem e vai e se transforma incessantemente. Mas nosso "eu" continua; é a base de nosso mundo interior. No entanto, pouco sabemos dele! É esse o ponto mais importante: nada sabemos de nosso eu, exceto o que nos é informado pelas narrativas, pensamentos, memórias.

Chegamos a dizer: Falem bem ou falem mal, mas falem de mim. Novamente, pergunto: quem é o mim? A ignorância a esse respeito é a raiz de todo o drama humano — e é a narrativa que cria e nutre essa ideia, dando-nos o nosso sentido de uma individualidade cambiante, escrava do ontem e temerosa do amanhã.

Como seria nosso sentimento de ser um "eu" sem essa constante narrativa em nossa mente? Ou melhor: nos momentos em que ela silencia, qual é a qualidade desse eu?

Não seria como o papel onde estão escritas todas as narrativas, e que nunca é notado? (pois notamos as narrativas, mas não percebemos aquele fundo sobre o qual elas aparecem). Não seria o que há de mais íntimo possível em nós: a própria fonte da percepção, o siléncio feito de consciência pura, a própria paz e bem-aventurança?


Você pode dizer: não sei, pois quando a narrativa para, caio no sono. Isso pode ser verdade, mas é uma pena; significa que toda a nossa atenção e energia estão dedicadas unicamente a manter as narrativas (e agir em função delas). Essa posição resulta de nossa ignorância a nosso próprio respeito, pois estamos limitados pela narrativa.

Na raiz de nosso ser, queremos ser felizes. Isso é um fato. Porém, quando limitamos nossa compreensão de nós mesmos ao corpo físico e ao mundo mental e emocional (que são os elementos definidores das narrativas), criamos a entidade individual para a qual o conflito interno está sempre presente — e a felicidade estará para sempre perdida, porquanto ameaçada pela impermanência e pelo medo.

Querer ser feliz nessas condições faz da supressão da verdade a nosso próprio respeito (para dizer de um modo delicado) um modo inconsciente de ir vivendo. O que é o caso, evidentemente, da imensa maioria da humanidade, haja vista o eterno estado de fuga de nós mesmos e a incessante procura de distrações e coisas exteriores por meio das quais queremos realizar aquela felicidade, o que não é possível, e isso nos acresce em frustração, levando a repetir o ciclo da eterna procura.

E assim será enquando não aprendermos que a verdadeira paz NÃO VEM DAS COISAS DO MUNDO. Há um nível superior de compreensão que é possível ao ser humano, onde a Paz é uma realidade independente das condições exteriores; se você estiver profundamente interessado nisso, encontrará o caminho.


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