Nosso cérebro funciona em um mar de energia mental na forma de Presença Consciente
(de onde derivam a atenção, percepção, inteligência e compreensão),
porém, não a percebe absolutamente.
Ele não pode percebê-la pelo mesmo motivo que o peixe não percebe a água:
ela está sempre lá, sem ela não haveria vida. Ou melhor dizendo:
o cérebro evoluiu para perceber objetos, o que não é caso da Presença Consciente —
muito ao contrário, pois ela é a Fonte de toda percepção.
Assim também se dá com os seres sencientes: suas mentes estão imersas no Oceano da Consciência,
mas pensam que a percepção provém da matéria.
A atenção é o instrumento do Espírito-Consciência manifesto
no ser humano (e em cada forma viva) para cognição do mundo,
segundo as características, limitações e grau evolucionário de seus
respectivos aparatos cognitivos; entretanto, ela é continuamente manipulada pelos interesses pessoais
e direcionada a
estar presente naquilo que não está presente,
ou seja, as fantasias mentais de tudo aquilo que se deseja atingir ou evitar no decurso do tempo.
Em resumo, a atenção encontra-se amarrada ao pensamento.
Isso é Vir a Ser; esse é o próprio roteiro da alienação do espírito de si mesmo.
O Espírito-Consciência se mostra via inúmeras gradações perceptivas e,
naquelas instâncias mais próximas do mundo material, notadamente as coisas da memória e os pensamentos
que dela decorrem (sejam por necessidades legítimas do corpo físico ou seja pela realização do
desejo de posse, segurança ou prazer físico/emocional), cria-se a noção de uma entidade pessoal (eu)
para agir nos assuntos humanos.
A religiosidade hindu tem uma metáfora perfeita para descrever esse incrível feito mental:
um espectador assiste, da primeira fila de um teatro, já na boca do palco, a representação de um drama repleto de
emoções, amor, ódio, ciúme, injustiça, ternura, desprezo e violência. Os atores estão convictos de seus papéis como se fossem suas próprias vidas e paixões. A certo momento, o espectador não aguenta mais assistir a trama passivamente e adentra ao palco para, ele também, participar da representação a fim de fazer valer suas convicções e lutar por seus valores, sentimentos e desejos.
Ou seja, cada um de nós é Testemunha dos dramas da vida, mentalmente representados
— mas também é um Ator em potencial, que acaba se identificando com a peça sendo representada
e as narrativas que ele próprio produz em seu constante movimento mental autocentrado.
Um famoso texto de Patanjali diz:
"Em um sentido você é a Testemunha, em outro sentido, é o Ator.
Depende como você se coloca. Na realidade, você é a Testemunha, mas se esquecer da Realidade você é o Ator".
A Presença Consciente parece perder sua identidade e assumir a do personagem representado.
Assim, o Ator é a própria Testemunha, porém esta encontra-se esquecida de sua identidade
e se comporta como personagem para atuar no mundo.
Colocando na primeira pessoa: quando me sinto como a Testemunha, vejo as narrativas passarem mas não me agarro a elas
(que, privadas de atenção, não prosperam);
não há representação alguma e tudo é pacífico, não havendo medo.
Mas quando estou representando algum papel (agora, como o Ator), me perco nas ideias, emoções, contradições, desejos e falas
do personagem representado, seja ele qual for,
perdendo a conexão consciente com o estado de Testemunha — ou seja, sinto-me separado da Presença Consciente que a tudo contempla.
Ou, dizendo a mesma coisa de outro modo: quando estou agindo no estado de espírito que Jesus imortalizou com a frase "Eu e o Pai somos um",
isto é, uno com a Mente Divina, não há sentimento de separação, nem nada a temer
(porque não é o eu pessoal amarrado a seus NÓS que está a agir),
mas quando a minha reação aos desafios do mundo provém da sensação de ser
o personagem separado e intuído de que sua identidade provém do papel representado,
aí esse personagem reativo responderá pelas consequências das ações praticadas.
Fazendo analogia com as ondas e o mar: quando o mar projeta de si uma onda que atinge a praia com violência destrutiva, a onda é reponsável?
Sim, se ela se sentir separada do mar; não, se ela souber a si mesma como mar, legitimamente.
Outra pergunta: é possível a onda atuar como mar (que de fato ela é)?
Sim, como instrumento, não como personagem independente — pois, afinal, é o mar que está atuando, e o faz por meio das ondas. Mas, se cada onda se sentir coisa separada de sua Totalidade, haverá sofrimento por parte de sua identidade falsa.
Seria preciso a onda saber que ela SEMPRE é o mar.
Mas ela não é sempre o mar, mesmo quando não sabe disso?
Sim, mas esse é o problema: não basta saber, tem que saber CONSCIENTEMENTE.
Eu e o Pai somos sempre um, mas minha mente não sabe e por isso sofre.
É como o filho de um rico fazendeiro, dono de muitas terras, que vai à cidade e se mete em confusões,
levado por más companhias, seduzido por mulheres, vícios, diversões, etc.
Durante todo o tempo ele foi um jovem impulsivo à procura de aventuras, e só
se lembra de sua origem na desgraça, quando doente ou roubado, agredido e deixado na estrada.
Ou seja, quando o sofrimento o derruba totalmente.
E antes? Antes ele havia esquecido sua identidade para poder atuar no mundo como personagem
em diversos papéis.
Para o espírito no ser humano se corromper, primeiro ele tem que negligenciar sua ORIGEM, sempre presente
(porém ignorada ou esquecida), como o espectador que adentra ao palco para atuar no drama sendo encenado.
Na verdade a própria ignorância de sua identidade já o coloca na posição de ator
e traz os primórdios da corrupção, deterioração, desconexão.
Em outras palavras, o Filho Pródigo sabia sua origem, mas não conscientemente, pois o foco de
sua atenção estava inteiramente nas ilusões de prazer e liberdade no meio da devassidão.
Mas nunca deixou de ter ascendência divina, o mesmo ocorrendo com cada um de nós,
e é por isso que a conversão é possível.
Uma vez consciente de sua origem, o ser humano pode atuar no mundo, mas de forma consistente com o conhecimento de
sua real identidade, deixando de agir como Ator e sendo guiado pela orientação da Mente Divina
presente nele e entronizada em sua mente.
Para concluir veja abaixo, o inteiro poema de Patanjali (o texto data, provavelmente, de 150 d.C.):
Em certo sentido, você é a Testemunha; em outro, você é o Ator.
Depende de onde você se coloca.
Na realidade, você é a Testemunha, mas se perder a realidade, você é o Ator.
Quando você se torna o Ator, você é responsável por suas ações.
Quando você é a Testemunha, você não é responsável por suas ações
porque você não está agindo.
Portanto, ou aja e seja responsável, ou permita que a mente e o corpo ajam e sejam testemunhas, totalmente livres.
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