O DHARMA - Budismo básico
1. A Respeito do Budismo:
O Budismo é uma filosofia de vida exposta e
vivida pelo Buddha ( O Iluminado), que viveu e ensinou por todo o norte e
nordeste da índia, pelo sexto século a.C.
O Buddha não se dizia encarnação divina, caído
pronto dos céus, e a filosofia do Budismo não implica em qualquer visão teísta
do mundo. Os ensinamentos do Buddha se direcionaram principal e quase
exclusivamente à liberação de todos os seres sencientes de seus sofrimentos.
O Buddha ensinou as Quatro Nobres Verdades de
que
(1) existe sofrimento;
(2) o sofrimento tem causas;
(3) o sofrimento tem um fim e
(4) existe um caminho para finalizar o sofrimento.
A liberação do "eu" liberta nossos corações da
avidez, do ódio e da ilusão, abrindo a mente para a Sabedoria e o coração à
bondade e à Compaixão.
2. As Quatro Nobres Verdades:
2.1. A Primeira Nobre Verdade - A Realidade da
Existência do Sofrimento - "dukkha"
A palavra páli "dukkha", usada por Buddha, em
seu uso comum, significa "sofrimento", "dor", "tristeza", ou "miséria". Mas no
contexto da Primeira Nobre Verdade, também significa "imperfeição",
"impermanência", "vacuidade", "insubstancialidade". Em português claro, o mais
próximo em nossa língua seria "insatisfatoriedade". A Primeira Nobre Verdade
nos lembra da roda viva de sofrimentos e renascimentos sem fim, que os budistas
chamam da Roda da Vida ou Samsara.
Existem três tipos de sofrimento:
Sofrimento comum
Sofrimento produzido pela mudança das coisas, devido à impermanência
Sofrimento como efeito de estados condicionados da mente e do corpo.
Analisemos um pouco estes três tipos:
Sofrimento Comum
Existe todo tipo de sofrimento na vida: nascimento, idade avançada, doença,
morte, associação com pessoas e condições indesejáveis, separação dos entes
queridos e das condições agradáveis, não conseguir o que se deseja, tristezas,
lamentações e tensões -- todas são formas de sofrimento físico e mental.
Sofrimento Produzido pela Mudança:
Sentimentos ou condições agradáveis na vida não são permanentes. Cedo ou tarde
eles mudam ou cessam. Quando mudam, podem produzir dor, sofrimento,
infelicidade e desapontamentos. Estas vicissitudes são consideradas sofrimentos
produzidos pela mudança.
Sofrimento Como Estado Condicionado
Um "indivíduo", um "eu" ou um "ego" é uma combinação de forças mentais e
físicas sempre mutantes, as quais podem ser agrupadas grosso modo em cinco
grupos (ou "agregados", como são chamados na filosofia budista), a saber:
matéria (materialidade, corporalidade)
sensações
percepções
formações ou tendências mentais
consciência.
O sofrimento como resultado de estado
condicionado é produzido pelo apego ao que estes cinco agregados nos
proporcionam dia a dia. Não vemos o quanto nos identificamos com eles,
tomado-os em conjunto ilusoriamente como uma entidade estática, separada e
auto-suficiente. Não existe uma entidade que sobreviva eternamente, nem que
seja imutável, e isto o Buddha chamava de "impessoalidade", "não-eu" ou
"insubstancialidade" de um ego eterno. Tudo aquilo que é composto, agrega-se e
desagrega-se algum dia. Para a filosofia budista, só existe uma alma enquanto
estes agregados estiverem coesos, seja aqui na terra ou no post-mortem. Assim
que desagregam-se deixa de existir a entidade como tal. é uma grande ilusão da
mente o artifício do ego.
Vale lembrar: Buddha nunca disse que tudo é
sofrimento, mas que tudo encerra uma possibilidade de causar sofrimento. Em
seus sermões lembrou diversos acontecimentos corriqueiros de nossas vidas, que
para nós são sofrimento, na medida que não estamos conscientes de como as
coisas atuam e não somos senhores de nós mesmos, parte devido a tanto
condicionamentos automatizados, parte à ignorância intrínseca que todos temos.
Buddha não foi pessimista nem otimista, mas antes um realista.
Em outros sermões reconhece diversas situações
de felicidade. Somente quis chamar nossa atenção para a verdade da existência
dos sofrimentos, porque não estamos conscientes deles, porque estamos
devaneando, achando que tudo está bem, quando estamos na verdade sofrendo, e
muito. Achamos que este sofrimento é "da vida", "natural", e nada pode ser
feito. Engano. Buddha justamente vem e nos "sacode" do torpor mental dizendo:
"Isto é sofrimento ! Acorde e aja, agora !". Somente após estarmos conscientes
do que se passa conosco é que estaremos motivados a fazer alguma coisa.
As pessoas perguntam como se chega a um
determinado lugar, e quem responde deve saber onde aquela pessoa se encontra
naquele momento. Dependendo de onde ela esteja, ela pode dar as direções
corretas para chegar ao objetivo, se é para o norte ou para o sul, etc.
Da mesma forma, se nossas existências são
dolorosas e desejamos mudar, devemos antes saber onde estamos. Somente quando
as coisas são vistas sob um prisma realista, imparcial e objetivamente é que a
libertação será possível. A Primeira Nobre Verdade é esta constatação
imparcial. Eqüivale a uma tomada de consciência. Ela é somente a porta de
entrada para a mensagem de que há uma saída para nossos problemas. Em resumo, a
Primeira Nobre Verdade é a constatação da dor.
2.2. A Segunda Nobre Verdade - A Causa do
Sofrimento - "samudaya"
A principal causa do sofrimento é o apego ao
desejo e ao nosso intenso "querer", ou tanha na terminologia budista.
Este "querer" manifesta-se em seus dois aspectos de atração e repulsão
(aversão), dependendo em como as experiências nos sejam agradáveis ou não.
Os desejos podem ser agrupados em: desejos
pelos prazeres dos sentidos desejos por "tornar-se", vir-a-ser alguma coisa, ou
obter alguma coisa; de existir desejos de não existir. O desejo dos sentidos
surge em conexão com um ou mais órgãos dos sentidos (incluindo-se aí a mente).
Este desejo se manifesta como querer ter experiências prazerosas: o gosto pela
boa comida, experiências sexuais, músicas agradáveis, etc. O prazer não é a
sensação nascida dos sentidos; uma pessoa pode ter prazer em uma sensação, ou
ser-lhe indiferente, portanto, o prazer depende da atitude mental da pessoa,
que varia com os condicionamentos de costumes de família, do país, da religião,
da época, etc.
O desejo de existir, de vir a ser alguma coisa,
de ter uma existência separada ou egocêntrica é um dos mais fortes, porque
todos nós temos o desejo de continuidade, de autopreservação; que este suposto
eu viva eternamente. Levado pela ilusão, o homem se delicia nos prazeres dos
sentidos e no fato de sua existência -- "eu existo" ou "minha existência" --,
conceituando as coisas como sendo "meu", "minha" -- meu corpo, meus filhos,
minha profissão, meus pertences e minha reputação. Não vê que todas estas
coisas são "emprestadas", e quando um ladrão vem e nos leva um pertence, ou
quando alguém morre, achamos que a vida nos deu uma "rasteira", e não vemos que
a ilusão de uma existência egoísta é a causa sofrimento. As coisas são como
são, e nós preferimos fazer as coisas serem o que elas não são.
Impermanência e impessoalidade são as
características de todos os fenômenos manifestados. Somente como Olho da
Sabedoria - o Olho do Dharma - é que podemos ver as coisas como elas realmente
são. O desejo de não existir apenas confirma a ilusão da existência de um ego,
pois é baseado na sua existência que a pessoa, frustrada e cansada, deseja
aniquilá-lo ou paralisá-lo. Esta classe de desejo é a base de impulsos suicidas
e auto-mutiladores, bem como diversas doenças psíquicas.
Vale lembrar: não há nada de errado em ter
prazer ou desejos. O erro é nos subjugarmos a eles através do apego, e em vez
de sermos senhores de nossa situação, somos na verdade escravos deste
apego-aversão. E com isto sofremos.
E mais: desconhecemos o fato de que a cessação
do desejo é felicidade. Veja por exemplo: ao obtermos algo que desejamos
ficamos felizes. A realização daquele desejo, preenchendo-o e finalizando-o é a
experiência da felicidade. Pela lei da impermanência, esta experiência tem um
fim, e pelo apego gerado desejamos reviver aquela felicidade. Só que este
desejo pedindo imediata satisfação cria tensão, angústia, medos, etc. Ficamos
presos então a uma roda viva de desejos-satisfação-apego-aversão-outro
desejo...Agora pensem em quando um desejo não tem a possibilidade de ser
satisfeito ou cessado, no que isto pode acarretar... Em resumo, a Segunda Nobre
Verdade é o diagnóstico da dor.
2.3. A Terceira Nobre Verdade - A Cessação
do Sofrimento - "nirodha"
A Terceira Nobre Verdade nos fala da
possibilidade da cessar o sofrimento. Em termos budistas, isto só é possível
quando alcançamos aquela maestria interior resultante de uma compreensão
profunda e amorosa das coisas e de nós mesmos, através da luz da Sabedoria (com
"s" maiúsculo, porque não se trata da sabedoria livresca ou erudição). O homem
não se liberta sem desenvolver em si o afloramento da Sabedoria interior, do
Amor e da Compaixão, itens imprescindíveis para a nossa sobrevivência,
ensinados por Buddha. Alcançar a cessação do sofrimento é realizar o Nirvana,
ou Nibbana.
Esta palavra é hoje de conhecimento mundial,
mas seus significados verdadeiros são amplamente desconhecidos. Dependendo de
como se veja a composição desta palavra, temos diversos significados. "Nir" em
sânscrito é "não", e "vana" é "cordão"; assim Nirvana pode ser traduzido como
"não estar preso", ou "estar liberto". Mas liberto do que? Liberto da tirania
do ego, da ignorância, da ilusão e da dor!!! Esta foi a Grande Conquista do
Buddha. E isto Ele conseguiu através de vidas e vidas de dedicação.
O Nirvana é um estado do ser, e não um lugar ou
"céu". Ele é realizado por todo aquele que vence a si mesmo; por aquele que
renunciou ao "eu" e ao apego. Deve-se notar que a mera renúncia ou restrição
dos desejos não é o Nirvana, pois se assim fosse seria igual ao aniquilamento e
seria fácil resolver nossas dores. Já de partida Buddha ensinou que não existe
nenhum "eu" para que seja aniquilado, mas sim para ser compreendido. Nirvana
não é o aniquilamento, pois continua-se a pensar, sentir e viver. O Iluminado
somente não gera apego aos objetos dos sentidos e da mente.
Disse o Buddha: "Monges, existe o Não-nascido,
o Não-formado, o Não-causado, o Não-condicionado. Se não existisse esse
Não-nascido, esse Não-formado, esse Não-causado, esse Não-condicionado, não
haveria nenhuma possibilidade de libertação para o que é nascido, formado,
causado e condicionado".
O Nirvana não é resultado de nossas ações, pois
é um estado incondicionado. Está além da condicionalidade. Poderá surgir a
seguinte pergunta: "se Nirvana não depende de nossas ações, para que tanto
treinamento dirigido para o bem e as boas obras no Budismo?" é uma pergunta
interessante, mas enganosa. A natureza essencial de nossa mente é de pureza ou
iluminação.
Somos Buddhas em potencial, mas não sabemos
disto. Assim como uma pedra ou metal precioso estão escondidos latentes dentro
do minério ou da rocha, precisam ser lapidados e polidos para que evidenciem
suas qualidades. O polimento em si não cria a preciosidade, mas afasta as
impurezas que a obscureciam. Somente isto.
Da mesma forma as boas ações e práticas meritórias são um polimento espiritual
para nossas mentes que estão, no momento, cercadas e tomadas pela escória das
paixões, da ilusão, da ignorância, da raiva e da má vontade. Isto tudo deve ser
dissipado antes que a mente alce seu vôo livremente e viva no Nirvana, no aqui
e no agora. Buddha atingiu o Nirvana em vida, aos 35 anos, quando a persona
"Gautama Siddhartha" morria para dar lugar ao Iluminado Vivo. Por tradicional
comodismo do jogo de palavras, diz-se que Buddha entrou no Nirvana no momento
de sua Morte, mas isto é incorreto. O que aconteceu é que já estando Ele
vivenciando o Nirvana por quarenta e cinco anos, no momento de Seu desenlace
viu-se finalmente livre do estorvo do corpo físico, entrando em verdade no
Paranirvana ou Parinibbana, o Nirvana integral. O Nirvana é um estado de
inefável bem-aventurança, de paz e alegria sem limites, como se atesta pelas
declarações daqueles que o atingiram. Aquele que realizou esta Verdade é o mais
feliz dos seres. Sua saúde mental é perfeita; não se arrepende do passado nem
se preocupa com o futuro; vive o momento presente e está livre da ignorância,
dos desejos egoístas, do ódio, da vaidade, do orgulho. Torna-se um ser puro,
meigo, cheio de Amor Universal, Compaixão, bondade, simpatia, compreensão e
tolerância. Presta serviço aos outros com a maior pureza, não procura lucro,
nem acumula coisa alguma, nem mesmo bens espirituais, pois está liberto do
desejo de vir a ser alguma coisa.
"Naquele que é caridoso a virtude crescerá.
Naquele que domina a si próprio nenhuma cólera poderá aparecer. O homem justo
rejeita toda maldade. Pela extirpação da concupiscência, do ódio e de toda
ilusão, tu atingirás o Nirvana" -- o Buddha, Mahaparinibbana Sutta. "Fazei com
que tua mente repouse na Verdade, difunde a Verdade e ponha a Verdade em teu
ser. E na Verdade, viverás eternamente! O apego ao eu e à personalidade é morte
contínua, ao passo que quem vive e se move na Verdade, alcança o Nirvana" -- o
Buddha
Recapitulando: para compreender o
Incondicionado (Nirvana) precisamos ver que tudo que tem a natureza de nascer
tem a natureza de morrer; que todo fenômeno que tem uma causa é impermanente.
Ao deixarmos as coisas serem o que são, sem agarrá-las, o desejo pode ser
dominado e a liberação do sofrer atingida. Em resumo, a Terceira Nobre Verdade
é a descoberta da possibilidade de cessação da dor.
2.4. A Quarta Nobre Verdade - O caminho que
leva à Cessação do Sofrimento - "magga"
Esta Verdade indica o Caminho a tomar para a
cessação do sofrimento. Este Caminho prático é constituído de oito fatores --
assim, é também conhecido como Nobre Senda óctupla ou Caminho do Meio. Antes de
apresentá-lo, umas considerações. O Caminho é chamado de "nobre" porque coloca
nossas vidas funcionando no lado positivo. é chamado de "senda" porque nós
temos de percorrê-lo, recriá-lo, trabalhá-lo; ninguém fará isto por nós. é
chamado de "óctupla" porque apresenta oito fatores que estão funcionando para o
sustento de nossas vidas. O espírito deste caminho é o meio-termo eqüidistante
de todos os extremos, evitando a auto-indulgência de um lado e a auto-tortura
de outro. O segredo está no "meio-termo".
A Quarta Nobre Verdade consiste na base de todo
treinamento budista, e consiste em três áreas de atuação simultâneas : Vida
ética, Concentração e Sabedoria. As 3 estão interligadas e se complementam. O
símbolo universal budista da Roda, a Roda da Lei -- que se opõe à Roda da Vida
de ignorância e sofrimentos, não é um símbolo fortuito.
Como o nome já diz, a Nobre Senda óctupla é
composta por oito fatores, os quais são representados pelos oito raios da Roda.
Cada Raio representa um fator que nós todos temos funcionando em nossas vidas
diárias, só que de forma incompleta, de forma parcial, obscura ou errônea.
Budismo nada mais é que uma forma prática para colocar estes oito fatores
funcionando em nossas vidas em seu lado pleno, completo, desimpedido, correto.
Podemos ver que Budismo não é diferente de nossa vida diária; seu caminho não
consiste em especular ou fugir do mundo, mas pelo contrário, atuar nele
conscientemente. O último fator ou elo da Roda está intrinsecamente interligado
ao primeiro, de forma que a Roda deve ser girada em todos os seus itens, passo
a passo, começando onde nós estamos ou achamos mais fácil.
E que fatores são estes?
Compreensão Correta ou Completa
Pensamento Correto
Palavra Correta
Ação Correta
Meio de Vida Correto
Esforço Correto
Conscientização Completa ou Correta
Concentração Correta
Sobre cada item há muito do que se falar.
Entretanto, o presente catecismo não se propõe a detalhá-los agora, dizendo
somente que, com o estabelecimento de cada um desses fatores em seu lado mais
pleno e puro em nossas vidas, criamos uma base sólida para a espiritualidade
com uma vida ética - que é diferente de qualquer moralismo imposto ou
auto-imposto - , crescemos em concentração e Vigilância ou plena atenção, e
chegamos cada vez mais perto da Sabedoria. Só a Sabedoria é capaz de livrar-nos
dos sofrimentos criados por nós mesmos e pelos outros. Só através da Sabedoria
vemos a Verdade, e a Verdade nos libertará. Parte importante deste treinamento
é a cultura mental, da qual o Budismo conta com mais de 2.500 anos de práticas
testadas.
A "cultura mental" é precariamente traduzida
por "meditação", e constitui a ferramenta principal para o nosso esclarecimento
e auto-conhecimento, trazendo-nos o conhecimento sem palavras ou conceitos
acerca da Realidade. Trazendo-nos Sabedoria. Todo budista que pratique sua
religião procura desenvolver qualidades e aptidões, sem os quais seu
desenvolvimento espiritual não se estenderia longe. Amor, Compaixão,
equanimidade, paciência, tolerância, respeito a todas as formas de vida,
justiça, etc, são somente alguns. Deverá aplicar o esforço correto para trilhar
o caminho do meio, ficando longe de radicalismos, de pontos de vistas extremos
e errôneos, vivendo conforme o conselho de Buddha: se esticarmos demais as
cordas do violão elas arrebentarão, e se as deixarmos frouxas, elas não
produzirão o som adequado. O ideal está no meio-termo, na medida correta das
coisas. Assim, cada budista deverá descobrir qual é o seu "Caminho do meio".
A Sabedoria ou Pañña
A Sabedoria corresponde à compreensão das 4
Nobres Verdades, e mui especialmente da compreensão das Três Características da
Existência:
todos os fenômenos condicionados são impermanentes
todos os fenômenos condicionados são impessoais, carecem de um "eu"
todos fenômenos impermanentes levam ao sofrimento ou insatisfatoriedade.
Ao contrário do que possamos pensar, ter a
verdadeira compreensão destes 3 itens, não tem nada de desesperador, mas sim
tranquilizador, pacificador. A Sabedoria procurada pelos budistas não tem nada
de livresca. O Budismo é uma tradição viva justamente porque livros e palavras
são tidos somente como guias ou setas apontando o Caminho. Um budista não
guerreará para defender a letra morta de alguma escritura ou sutra....
Geralmente tem-se a idéia de que a Sabedoria
seja algo que possa ser acumulado e guardado na memória; que ela tenha alguma
relação com a compreensão discursiva ou intelectual, quando não é nada disto.
Sabedoria significa compreensão pura, visão
clara e desimpedida, aqui e agora, da natureza de todas as coisas como elas
são.
é um conhecimento não-cumulativo que brota de
dentro do ser, como um relâmpago que num segundo revela tudo a nossa volta na
noite escura da ignorância. A Sabedoria está ou não evidenciada, e isto é
somente um problema de cultivo. Pode não ser fácil, mas está perfeitamente ao
alcance do ser humano, que tem esta possibilidade. Buddha é um Sábio em toda a
extensão do termo, pois atingiu a Onisciência.
Impermanência ou Anicca
Teoricamente sabemos que ela existe, mas em
verdade desconhecemos como a impermanência é lei geral da manifestação. O
universo, com todos os seus planos e seres, estão num estado de eterno fluxo,
ou movimento. Devido à tremenda velocidade de vibração e transformação das
coisas e situações, nossos sentidos são incapazes de mostrar o âmago dos
fenômenos. Por exemplo, se girarmos um ponto de luz rapidamente no escuro,
veremos um círculo onde não há círculo algum. A velocidade cria a ilusão de
continuidade.
Assim, o tumulto infindo de diálogos internos,
tendências, pensamentos, sensações, percepções -- e a consciência decorrente
destas coisas, cria a ilusão de uma personalidade coerente e contínua, que
chamamos de "meu eu". Esta verdade só é compreendida em meditação. Tudo que tem
uma causa, ou depende de contribuições externas para existir, tem um início e
um fim. São os chamados fenômenos condicionados, e os fenômenos condicionados
são transitórios. Mas é aos fenômenos condicionados que o "eu" se apega, e
quando há apego ao que é impermanente, há sempre sofrimento.
Impessoalidade ou "Não-eu" ou Anatta
Desde o grande cosmos até a menor partícula
subatômica, não existe uma entidade como pensamos que exista -- independente,
autônoma. Tudo é uma grande rede de relações interdependentes, ensina o
Budismo. Um acontecimento aqui afeta alguém ou alguma coisa acolá. Para a mente
comum, um acontecimento torna-se espantoso e surpreendente porque nosso mundo
mental ao qual estamos habituados é limitado, não alcança a amplidão de um
processo cósmico. Assim, falamos em "sorte", "sincronismo", "azar", "rapport",
"sintonia", "desgraça", "vontade divina" e o que mais pudermos rotular para
esconder nossa ignorância. Todas as coisas se relacionam graças à Lei de
Originação Dependente , proclamada e explicada por Buddha, em linhas gerais:
"Estando isto presente, isso acontece. Do aparecimento disto, isso vem à
existência. Estando isto ausente, isso não acontece. Da cessação disto, isso
cessa" .
Física Quântica
A física quântica veio a corroborar uma
mensagem budista: a de que este mundo é ilusório; sua materialidade é composta
de espaço vazio e partículas subatômicas que vagam neste espaço vazio em alta
velocidade, mas das quais nunca poderemos prever onde elas estarão, ou que
caminho percorrerão num dado momento, sendo que a simples tentativa de
observá-las já afeta as características de seus movimentos. é o princípio da
incerteza. Não dá para garantir onde encontraremos uma dada partícula. A
matéria é então constituída de muito espaço vazio e partículas diminutas em
movimento incerto. A nossa noção de corporalidade, solidez, suavidade etc,
depende do grau de agitação das partículas em movimento. Nossos sentidos não
são capazes de penetrar nos níveis subatômicos e ver a realidade incerta que
constitui a matéria.
A interdependência da mente e da matéria fica
muito clara nestas experiências dos físicos quânticos, pois a mente do
observador afeta os resultados da experiência, o que nos lembra a Lei de
Originação Dependente e a Teoria da Relatividade desenvolvida por Einstein, de
que toda experiência precisa de um referencial. O físico estabelece um ponto
referencial e mede as coisas a partir dele. Nosso "eu" é somente um
referencial, para que possamos funcionar no mundo. Os diversos agregados que o
compõem equivalem às partículas que, sozinhas não são nada, mas que funcionando
juntas dão a idéia de um corpo sólido e consistente.
Karma e Renascimento
Não é um eu ou alma que continua após a morte. O renascimento é possível porque
as ligações cármicas não foram quebradas e ainda há energia para ser dissipada,
como desejos e volição. O que renasce -- difícil de ser posto em palavras --
não é igual nem diferente à ultima personalidade. A reprodutividade do Karma
nos conduz necessariamente ao problema do renascimento. é, de fato, um
problema, porque se existe o Karma, tem de existir o renascimento também, e no
entanto, não existe ser algum para ser reencarnado, de acordo com os
ensinamentos de Anatta, ou "Não-eu". Karma e Renascimento estão intimamente
interligados. é justamente o conceito errôneo de acreditar numa entidade
própria que dá origem ao problema, e é o processo da realidade que o resolve. O
simples fato de haver a pergunta "o que é que renasce", é baseada no
desconhecimento do processo do Karma e da constituição do ser humano em partes
agregadas e altamente coesas, mas todas perecíveis e "não-eu", ou
"não-entidades". O Karma não é uma entidade que passa de uma vida para
outra, mas é a própria vida, visto que a vida é o produto do Karma. Em cada
passo que damos agora na idade adulta, estão também as frágeis tentativas de
nossa infância; como ações, elas foram um processo que passou com o ato, mas
aquele processo deu origem a outros processos, que originaram outros processos.
A transformação é contínua, e não há um "eu"
que fica parado, esperando morrer para pular para outra vida... O "eu" é o
processo de transformação contínua! Um fluxo! O que chamamos de "morte" nada
mais é que uma das fases deste processo de eternas transformações. Mas não é um
fluxo de coisas desconexas, mas sim um fluxo dos agregados, coordenados pelo
Karma individual.
Moralidade ou Vida ética ou Síla
Aderir aos preceitos é essencial como proteção
para a própria pessoa como para os outros. Ao mesmo tempo que estas as linhas a
seguir definem um código de disciplina, as virtudes que trazem uma conduta
moral podem também ser cultivadas com a prática do cultivo das qualidades do
coração. Existem 5 Preceitos básicos que os praticantes budistas se comprometem
(monges e monjas tem muitos mais).
Uma análise moderna destes preceitos é feita
pelo monge Zen vietnamita Thich Nhat Hanh, a saber:
- reverência pela vida
- abster-se de matar
- generosidade
- abster-se de roubar
- responsabilidade sexual
- abster-se de má conduta sexual
- escutar com profundidade e falar com amor
- abster-se da mentira
- consumo consciente
- abster-se de ingerir intoxicantes
No contexto do Caminho óctuplo, estes cinco
preceitos implicam :
Fala Correta
Fala Correta significa falar a verdade e falar apropriadamente, de acordo com o
quarto preceito. Especificamente, implica em abster-se de : mentiras fofocas e
falas que causam a divisão linguagem rude e abusiva conversas vãs e sem
utilidade
Ação Correta
Ações corretas são aquelas consistentes com os preceitos 1, 2, 3 e 5. Elas
compreendem ações que demonstrem reverência pela vida, generosidade e controle
da conduta sexual.
Meio de Vida Correto
Meio de vida correto significa que a pessoa deveria sobreviver de uma atividade
que permita o desenvolvimento dos cinco preceitos. Lidar com armas, drogas,
violência, exploração dos outros e fazer lucro fácil com a boa fé alheia não
conduzem a uma vida moral.
"Meditação" e Cultura Mental
A prática da meditação desenvolve a conscientização (sati) e a concentração ou
absorção (samadhi). Ela é um dos três pilares do Nobre Caminho óctuplo.
Desenvolver as qualidades do coração : gentileza, compaixão, simpatia-alegria e
equanimidade também são possíveis através de meditações específicas.
A Lei de Karma - Responsabilidade Pessoal
No Ensinamento Budista, a Lei de Karma diz somente isto : "para cada evento que
ocorre, ocorrerá um outro evento cuja existência foi causada pelo primeiro, e
este evento será agradável ou desagradável conforme suas raízes sejam benéficas
ou não". Um evento benéfico é aquele que não é acompanhado pela ânsia ou
ilusão, e um evento maléfico o é. Na verdade, os eventos não são maléficos ou
benéficos por si sozinhos, mas sim devido ao estado mental que os geraram e que
eles condicionam. Portanto, a Lei de Karma nos ensina que a responsabilidade
dos atos é de quem os realiza.
----------------------------------------------------------------------
--------------------------------------------------------------------
|