"Entrevista" com Fernando Pessoa 
do jornalista Rodrigo Antonio de Souza Leão

Quem é a pessoa atrás do Pessoa?
Nesta vida em que sou meu sono,
Não sou meu dono,
Quem sou é quem me ignoro e vive
Através dessa névoa que sou eu
Todas as vidas que eu outrora tive,
Numa só vida.
(Álvaro de Campos)

 

Vivem em nós inúmeros;
Se penso ou sinto, ignoro
Quem é que pensa ou sente.
Sou somente o lugar
Onde se sente ou pensa.

Tenho mais almas que uma.
Há mais eus do que eu mesmo.
Existo todavia
Indiferente a todos.
Faço-os calar: eu falo.

Os impulsos cruzados
Do que sinto ou não sinto
Disputam em quem sou.
Ignoro-os. Nada ditam
A quem me sei: eu 'screvo.
(Ricardo Reis)

 

Se as coisas são estilhaços
Do saber do Universo,
Seja eu os meus pedaços,
Impreciso e diverso.
Eles foram e não foram.
(Fernando Pessoa)

Como é o seu processo criativo?
Às vezes tenho idéias felizes,
Idéias subitamente felizes, em idéias
E nas palavras em que naturalmente de despegam...
Depois de escrever, leio...
Por que escrevi isto?
Onde fui buscar isto?
De onde me veio isto? Isto é melhor do que eu...
Seremos nós nesse mundo apenas
canetas com tinta
Com que alguém escreve a valer o que
nós aqui traçamos?...
(Álvaro de Campos)

 

Não me importo com as rimas. Raras vezes
Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra.
Penso e escrevo como as flores têm cor
Mas com menos perfeição no meu modo de
exprimir-me
Porque me falta a simplicidade divina
De ser todo só o meu exterior
(Alberto Caeiro)

O que os deuses querem de um homem como Fernando Pessoa?
Queriam-me casado, cotidiano, fútil e tributável?
Queriam-me o contrário disso, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
(Álvaro de Campos)

O senhor acredita em Deus?
Às vezes sou o Deus que trago em mim
E então eu sou o Deus, o crente e a prece
E a imagem de marfim
Em que esse Deus se esquece.

Às vezes não sou mais que um ateu
Desse Deus meu que eu sou quando me exalto.
Olho em mim todo um céu
E é um mero oco céu alto.
[Fernando Pessoa - Novas Poesias Inéditas]

O senhor tem um lado zen. O que é pensar no nada?
Pensar em nada é ter a alma própria e inteira.
Pensar em nada
é viver intimamente
O fluxo e o refluxo da vida.
(Álvaro de Campos)

O senhor é/foi maluco beleza?
Fui doido e tudo por Deus.
Só a loucura incompreendida
Vai avante para os céus.
Só a loucura é que é grande!
E só ela é que é feliz!
[Poemas Dramáticos Primeiro Fausto]

Existe algum mistério no Universo?
O único mistério do Universo é o mais e não o menos.
Percebemos demais as cousas: eis o erro, a dúvida.
O que existe transcende para mim o que julgo que existe.
A Realidade é apenas real e não pensada.
(Alberto Caeiro)

O principal desejo do poeta é a eternidade?
ama o infinito porque mais do que todos
se apega À vida, desejando-a infinda,
sob a simulação de resignar-se com a transitoriedade.

O Senhor é saudosista?
Eu amo tudo que foi,
Tudo que já não é,
A dor que já não me dói.
A antiga e a errônea fé,
O ontem que dor deixou,
O que deixou alegria
Só porque foi e voou
E hoje é já outro dia.
[Poesias Coligadas/inéditas]

Saudades, só portugueses
Conseguem senti-las bem
Porque têm essa palavra
Para dizer que as têm
[Quadras ao gosto popular]

O senhor é um sábio?
Sábio é o que se contenta com o espetáculo do mundo,
E ao beber nem recorda
Que já bebeu na vida,
Para quem tudo é novo
E imarcescível sempre.
Ricardo Reis

Observação:
imarcescível: que não perde o viço, o frescor
.
 

(...)

Qual o conselho pode dar aos jovens de espírito?
Segue o teu destino,
Rega a tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.
(Ricardo Reis)

Observação:
aras: entre os pagãos, espécie de mesa de pedra em que se faziam sacrifícios; altar 
 

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