As perguntas de Milinda 
As Perguntas de Milinda (Milinda Panha) é um dos mais famosos livros budistas,
e refere-se aos diálogos entre Nagasena, um monge budista, e o Rei Menandro, um soberano de origem grega, que, na esteira das conquistas do rei macedônio Alexandre, governou um Estado ao noroeste da índia, na região da Bactriana, no fim do século II a.C.  

A inexistência do indivíduo 

O Rei Milinda se aproximou de Nagasena e, tendo lhe dirigido os cumprimentos costumeiros de civilidade, sentou a seu lado. Nagasena lhe retribuiu a polidez, de maneira que isso inspirou ao rei disposições favoráveis ao monge. Então o rei começou a conversação:

- Qual é o seu nome, ó Venerável?

- Me chamam Nagasena; mas, ó rei, embora os pais dêem aos filhos nomes como Nagasena, Surasena, Virasena, aí existe apenas um modo de chamar, uma noção vulgar, uma expressão corrente, um simples nome: não há sob esse nome um indivíduo.

Respondeu o rei:

- Escutem todos o que diz Nagasena: não há sob esse nome um indivíduo! Será possível admitir isso? Mas, o Venerável Nagasena diz que não há indivíduos!

- Quem então lhe dá roupas, alimentos, abrigos, remédios, utensílios, e quem usa isso tudo? Quem pratica a virtude, que se entrega à meditação? E quem se entrega ao assassínio, ao roubo, à impureza, à mentira, à bebida? Quem comete os cinco pecados (matar o pai, a mãe, um sábio, derramar o sangue de um Buda, criar um cisma no Budismo)?

- Não há então bem nem mal, não há o autor ou instigador de atos salutares ou perniciosos, não há fruto, não há amadurecimento das boas e más ações?

- Se, ó Nagasena, aquele que mata você não existe, não há portanto assassínio! Não há nada em seu mosteiro: nem mestres, nem preceptores, nem ordenação! (...) a sua fala, ó Nagasena, é falsa e mentirosa!

Ao que Nagasena redargüiu:

- Como, ó rei, você veio a este encontro? veio a pé ou por meio de um veículo?

- Não vim a pé, Venerável, vim de carruagem, respondeu o rei.

- Então, ó rei, peça a um soldado para trazer a carruagem.

Assim foi feito, e uma magnífica carruagem veio até o local, conduzida pelo cocheiro, estacionando perto dos debatedores, sob as vistas de centenas de discípulos de Nagasena e  soldados de Milinda.

Em seguida, disse Nagasena:

- Ó rei, peça ao cocheiro para desatrelar os cavalos.

Assim foi feito de novo, e Nagasena então perguntou:

- São os cavalos a carruagem?

- Não, Venerável, os cavalos não são a carruagem.

- Agora, ó rei, peça ao cocheiro para retirar os assentos.  

Pacientemente, o cocheiro, com ajuda de alguns soldados, retirou os assentos,  e então Nagasena perguntou:

- Os assentos são carruagem?

- Não, Venerável, os assentos não são a carruagem.

Continuando, Nagasena pediu ao rei, subseqüentemente, que mandasse retirar as rodas, o jugo, ao suporte da cabina, o eixo e todas as demais partes constituintes da carruagem, que ficaram espalhadas ao lado dos cavalos e dos assentos, perguntando, ao final de cada etapa, se a carruagem era a parte retirada, e ouvindo do rei, em cada caso, sempre a mesma resposta de antes:

- Não, Venerável, tal parte não é a carruagem.

Ao final, desmontada completamente a carruagem e estando suas partes espalhadas ao redor, Nagasena perguntou:

- Ó rei, faço bem em lhe perguntar: não vejo carruagem alguma! (...) Escutem todos! O rei Milinda aqui presente declarou: "Eu vim de carruagem", mas, convidado a definir o que é uma carruagem, não pôde ele demonstrar a existência de uma carruagem.

Diante dessas palavras, os presentes ao encontro aclamaram Nagasena e disseram ao rei Milinda: "Agora, marajá, responda se puder!"

O rei retomou a palavra:

- Não minto, ó Venerável, é por causa do agrupamento das partes, do nome e da utilização, que se forma a noção comum, a expressão corrente e o significado da "carruagem".

- Muito bem, marajá! Você sabe o que é a carruagem. Do mesmo modo, é por causa dos cabelos, das unhas, da carne, dos dentes, dos ossos, dos pulmões, dos intestinos, do sangue, do suor, do pus, da bile, das lágrimas, da gordura e dos demais elementos do corpo, bem como dos agregados da mente, que se forma a designação, a noção comum, a expressão corrente, que recebe o nome de "Nagasena", mas na realidade não existe aí um indivíduo.

- Maravilhoso, Nagasena! Admirável! Você responde completamente a minha pergunta. Se o Buda estivesse aqui, ele aplaudiria você. Muito bem, muito bem, Nagasena!

Fonte: trechos da reportagem "Um encontro entre a Grécia e a índia", de Renato Pompeu, publicado no Jornal da Tarde, em 20/setembro/1997.

Voltar